25 de janeiro de 2013

Mérito, o descarte

Há algum tempo, uma situação lamentável na área da Dança de Salão motivou-me a produzir o artigo: "Doutores aprendizes". Hoje, nova circunstância faz-me lembrar o descrédito do mérito em nosso país, sua penetração no meio acadêmico e o preço que todos pagaremos a longo prazo.

Resta-nos voltar os olhos para a reflexão, na esperança de que os trilhos da integridade sejam, um dia, reencontrados. 

Por isto, compartilho aqui o artigo citado, na íntegra, originalmente publicado em: http://www.protexto.com.br/texto.php?cod_texto=1391.

Doutores aprendizes 


No site da USP, uma das mais respeitadas universidades do Brasil, na área “Divulgação da Tese”, consta a afirmação: “Ao escrever sua tese, o aluno estará aprendendo a escrever um artigo”. Entretanto, uma pesquisa simples mostra que, inexplicavelmente, uma vasta legião de doutorandos, e mesmo doutores, nunca publicou sequer um único artigo científico, nem mesmo de suas próprias teses, mantendo-se, portanto, na condição de “estar aprendendo”, o que nos permite afirmar que são “doutores aprendizes”. Isto, por si só, não seria demérito pessoal. Mas, não raro, estes aprendizes provocam sérios prejuízos acadêmicos e profissionais a terceiros. Recentemente, presenciei um destes doutores aprendizes, membro de uma banca de especialização, dizendo estar ali para "puxar orelhas" dos futuros especialistas. Este doutor aprendiz, sem publicações em periódicos científicos, carece de preparo para avaliar qualquer trabalho, especialmente, como era o caso de um dos acadêmicos, conhecido autor de várias publicações em periódicos de consagrada reputação científica. O mais contundente, porém, é que o próprio trabalho que apresentava à banca já tinha sido aprovado para publicação pelo Conselho Editorial de ilibado periódico internacional, arbitrado, qualificado pela Capes, com padrão de qualidade assegurado também por dois indexadores científicos: um canadense e outro espanhol. Doutores aprendizes deveriam ao menos ter bom senso suficiente para não se colocarem em situações como estas, que tocam o limite do ridículo.

Entristeço-me sobremaneira ao ver doutores aprendizes aprovados em concursos nas nossas Universidades Públicas. Universidades estas que vêm abandonando sorrateiramente o critério secular do mérito para atender a rasteiras motivações corporativas e ideológicas. Comprometem de forma preocupante, além da qualidade acadêmica, a do corpo docente e o futuro do próprio sistema universitário. O reitor da USP, João Grandino Rodas, identificou e declarou publicamente na Revista Veja de 27 de outubro de 2010, em entrevista intitulada “Zero para o corporativismo”, que, neste caminho, a universidade pública estará “fadada à obsolescência”. Sabiamente, ele critica a “aversão ao mérito” vinda dos improdutivos. Esta autofagia levará ao fim a Universidade Pública. E já se vislumbra isto quando constatamos que nenhuma universidade brasileira aparece nas primeiras colocações dos rankings internacionais.

Há algum tempo tenho visto nossa antes tão respeitada Universidade Pública tomar este rumo. Os concursos “públicos” carecem de transparência, justamente para manter este perverso modo de privilegiar a corporação e a ideologia. Essa proposital falta de transparência tem permitido a aprovação de professores, que deveriam ser cientistas, mas que sequer poderiam receber o status de aprendizes de ciência. São, isto sim, meros mantenedores da inércia. Há o caso de aprovação em concurso para uma Universidade Pública, de candidato que nem ao menos detinha título de mestrado. O estarrecedor é que, a prova discursiva, subjetiva e igual para todos os concorrentes, versava sobre a própria monografia de graduação do referido candidato!

Contaminam-se igualmente as seleções de mestrados e doutorados, para que os próprios professores da instituição, pseudo cientistas, ocupem estas vagas também, obtendo pontos para crescimentos salariais e institucionais. Seleções baseadas em currículo contemplam, inexplicavelmente e até descaradamente, improdutivos em detrimento de produtivos, sem justificativas lógicas ou ao menos razoáveis e sem direito a recurso. Assim, exclui-se da universidade, uma miríade de cientistas férteis e incham-se os quadros de aprendizes com título de “doutor”.

O mérito morre e algo sobrevive em seu lugar. Hoje, esta universidade serve ao seu funcionário, ao professor, à corporação e não mais ao aluno ou à população que a sustenta.

Surge o perfil da Universidade de baixíssima e decrescente qualidade, enquanto doutores aprendizes, recebedores de salários incompatíveis com sua pouca ou nenhuma produção, continuam sendo autorizados a dar seus “puxões de orelha” em quem de fato produz.

Quando ouço que o Brasil é maior que esta decrepitude do poder público atual, faço um grande esforço para acreditar e ter esperanças no futuro. Quero acreditar que nosso país está acima destes crimes que se cometem intra-muros dos templos de ensino e que, de alguma forma, sobreviverá a isto e um dia voltaremos a ter o mérito como critério absoluto de escolha.

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