18 de dezembro de 2014

Amizade não é escada

Certa vez, um conhecido postou em uma rede social a frase: "Para ter êxito na vida, é preciso ter amigos. Para manter seu êxito é preciso mais amigos". Caso queiramos considerar esta frase verdadeira, é necessário entender que êxito precisa estar ligado à integridade e não à política, como era a intenção de quem postou. Conheço pessoas que dedicaram suas vidas a fazer amizades para obter benefícios. Faziam amizade com pessoas influentes para obter cargos de chefia importantes. Faziam amizade com determinados profissionais para ter seus serviços em situação de necessidade. Na área da Dança de Salão, vi aquelas que faziam amizade com quem dança bem apenas para pertencerem a um grupo que está em destaque momentâneo. Vi as que fizeram amizade para obter um favorecimento acadêmico no próprio âmbito da Dança de Salão. Também vi as que fazem amizades para seu nome ou até sua foto ou seus textos aparecerem em periódicos ou eventos da área. Alguns decidiam até casar-se, não por admirar seu cônjuge, por amar profundamente e nem mesmo por paixão ou apenas atração física, mas por ele ser conveniente do ponto de vista financeiro ou estratégico para seu sucesso profissional, no caso da dança, por ser eminente na área. 
Mas o tempo mostra que esta caminhada não resulta em um acervo de relações verdadeiras. Ao iniciar a terceira idade, as vezes antes, as pessoas que escolheram estes caminhos flagram-se sem amigos, um golpe para a autoestima. Algumas, voltam-se desesperadamente para a família que foi trocada inúmeras vezes por tais amizades. As vezes, é tarde. Amizade não é meio de sucesso profissional, financeiro ou meio de aparecer, é compatibilidade de caráter, afinidade emocional, compromisso afetivo. Isto é o que realmente não tem preço e dura.
Por isto, ao longo da vida não fazemos uma quantidade enorme de amigos, mas, sim, poucos e verdadeiros. Os outros todos, são conhecidos ou colegas, tratados com total dignidade, mas não são amigos. 


Conversa de salão

Eis que dancei um Bolero com um homem desconhecido em um Salão de Dança e, ao final da dança, quando voltávamos para minha mesa, ele disse: “Sabia que o professor fulano inventou o Bolero Carioca?”. Bem, “fulano” é um professor do Rio de Janeiro que, certamente, não inventou o Bolero Carioca, muito embora tenha introduzido algumas inovações estéticas que, inclusive, são questionadas por estudiosos mais ortodoxos. O homem tentou começar uma conversa transmitindo algo que para ele era um conhecimento. Respondi apenas “Puxa”, senti que ele queria discursar sobre o assunto e confesso que tive preguiça de continuar a conversa, pedi licença e evitei o cidadão durante o resto da noite. Está aí um tipo de diálogo inapropriado para o salão. Hoje, muitas escolas estão espalhadas pelo país e boa parte dos frequentadores de bailes conhece apenas o seu professor, que, não raro, professa quase cegamente a linha que escolheu transmitindo informações equivocadas. Para ter uma conversa sobre Dança de Salão é preciso, pelo menos, saber situar quem foi escolhido para professor no contexto geral da área e já ter vencido o estágio de endeusa-lo com exclusividade. Hoje, existem muitos professores e dançarinos excelentes, inclusive alguns pouco conhecidos mais exímios que outros mais famosos. É salutar conhecer um universo um pouco maior do que um professor, uma escola ou uma linha técnica. E permanece o fato de que é muito mais seguro optar por outros assuntos quando estamos em um salão. Seria preferível um comentário como: “Hoje este salão está excelente para dançar, não acha?”. No âmbito da Dança de Salão noto frequentemente pessoas tendo necessidade de falar sobre seus mestres, tentando mostrar sua superioridade e trazendo informações que, muitas vezes, nem correspondem aos fatos reais, como no caso citado. Algumas destas vezes cheguei a sentir nestes discursos um efeito semelhante ao que já notei em religiosos, uma postura dogmática, devoção exacerbada, nada eclética, reveladora do desconhecimento de outros importantes representantes nacionais da Dança de Salão.
Evoluímos o suficiente para saber, toda posição que não invada o direito do outro merece respeito. Ninguém que tem ideias próprias gosta de ficar ouvindo discursos em tom de alta sabedoria voltados a convencer as pessoas do entorno a cerca de convicções diferentes das suas, especialmente se trazem informações sem respaldo na realidade. Pessoas mais polidas não gostam de participar destes discursos nem quando são a favor de suas convicções, simplesmente porque entendem que há uma boa probabilidade desta conduta ser desagradável para alguém. É preciso muito cuidado e respeito para saber quando e como tratar de assuntos como estes. Há lugares e momentos em que estas conversas são apropriadas, o salão típico não é. 
Para “puxar conversa”, é mais seguro escolher temas pouco comprometedores. Por exemplo: num salão de dança frequentado por pessoas ligadas de alguma forma à Dança de Salão profissional, é temerário fazer afirmações categóricas sobre qualquer aspecto desta área. Quem quer mesmo abordar o assunto, fará de forma mais segura se tratar, por exemplo, desta forma: “Ouvi dizer que o professor fulano inventou o Bolero Carioca. Será que é verdade?”. Ou: “Que linha técnica de dança você prefere: Carlinhos de Jesus, Jaime Aroxa ou outra?”. Desta forma, abre-se um diálogo que  dará a todos a oportunidade de manifestarem livremente sua opinião. Mas o melhor mesmo, é não entrar neste tipo de assunto em um Salão de Dança. Ali o objetivo principal é dançar.


7 de novembro de 2014

Novembro das orquestras - 1a. palestra: Francisco Canaro

A dança desmembrada de seu contexto amplo, que inclui os aprimoramentos nas esferas físicas e psicológicas, culturais, históricas, técnicas, artísticas entre tantas outras, não passa de uma atividade tola e em certos casos até perigosa. 

Parabéns Todo Tango Studio, nem todos tem a coragem de oferecer conhecimento em parceria com entretenimento!!!

26 de outubro de 2014

Maratona Brasileira de Tango, sabores prolongados...



Completa-se uma semana da Maratona Brasileira de Tango e seus aromas ainda estão no ar, prolongando-se pelo tempo. Foram três dias intensos, de muita emoção. Inesquecíveis...

Foi preciso valentia para propor um evento de dança, de Tango, sem apresentações de cunho cênico e mais, com palestra e exposição de livros. Minha reverência a Vania e Gustavo por esta coragem, investir na essência do baile e na transposição dos holofotes à intelectualidade.

Momentos mágicos precisam ser registrados, mesmo sendo impossível trazê-los à contento para as letras...

Depois de muitos anos em contato com Milton Saldanha, pela primeira vez, compartilhamos um salão. Fiquei encantada com sua forma de deslisar pela pista. O que vi foi um cavalheiro único, relacionando-se com o salão na medida exata do necessário para manter sua dama como a rainha da Tanda. Lindo Milton!!! Poucos cavalheiros dançam para dama, com a maturidade de não se deixar seduzir pelas fogueiras do salão. Está aí mais uma forte razão para admirá-lo..

A palestra de Lorene Soares foi um dos destaques da Maratona Brasileira de Tango. Um toque de pensar sobre o éter do salão milongueiro. Uma iniciativa valiosa. Da leitura do livro saliento as descrições de experiências nas milongas portenhas, vale a pena ler.

Merece destaque nesta empreitada, o trabalho do professor Valdeci de Souza. Professor de didática ímpar e condução integral. Bonito ver seu respeito raro por esta senhora nobre e altiva, porém preterida, que transborda vitalidade mesmo cheia de marcas temporais, a Valsa. Às damas foi oferecida a oportunidade de aprimorar sua técnica com a oficina de Laísa Souza.



Outro presente, foi ver dançarinos dos palcos revelando suas descobertas particulares sobre os prazeres e mistérios do salão. Da mesma forma, assistir curitibanos que atuam com Dança de Salão presentes e reconhecendo a consistência profissional do Studio Todo Tango foi indescritível.

A maestria da maturidade do salão é grandiosa. Faz-me lembrar da origem civilizatória secular da Dança de Salão, a Valsa, que vive deslumbrantemente linda no ambiente tangueiro. Neste âmbito, mais para ser vivida do que descrita, foi a "Milonga del Cabeceio", uma oportunidade incomum de experiência civilizatriz.

A Maratona Brasileira de Tango, para mim, foi coroada com o ouro do futuro, a juventude. Emocionei-me ao ouvir de forma surpreendente, entre tantas conversas ao redor das mesas, o jovem Douglas L. Portes descrevendo o seu processo particular de migração do tango cenário para o salão, comparando esta caminhada no Studio Todo Tango ao costume corriqueiro de usar um Golzinho e, de uma hora para outra passar a guiar uma Ferrari, que mal se consegue controlar. Douglas refere-se a importância do aprendizado sobre o autocontrole e ainda referencia esta energia poderosa do improviso no salão, que precisa ser domada na pista, como uma das causas das lesões na Dança de Salão. Chegou a ser chocante ver um rosto tão liso proferindo frases tão profundas. E não parou por aí, outro jovem brilhou no salão. Sem nem ao menos completar duas décadas de vida, Vinicius Flores, multitalentoso, tocou piano à luz de velas e revelou-se um grande cavalheiro, conduzindo pelas vielas da pista damas de todas as décadas. Confesso que ver jovens neste ambiente, fazendo uma escolha diferente pela mais filigranada conduta civilizatória, me faz ter uma esperança radiante no futuro da humanidade.

Ao final, Vania esteve encantadora com um dos trajes de Eliane Lago, estilista e organizadora do pitoresco desfile à moda antiga que antecedeu a última milonga.

Todas as dificuldades foram vencidas e fez-se da Maratona Brasileira de Tango um sucesso absoluto, reconhecido por profissionais das maiores capitais brasileiras, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis e até de fora do Brasil. Altivez, serenidade e olhar acolhedor foram marcas dos anfitriões, todos receberam atenção com um carinho personalizado. Vania e Gustavo deram lições de tenacidade, coragem, criatividade, humildade, respeito e carinho. Temos orgulho do que são como profissionais e, especialmente, como pessoas!

Parabéns e obrigada por nos receber com autenticidade em sua casa, que continua sendo, para mim, um verdadeiro Templo de Saberes de todas matizes!!!


Fonte das imagens:MARATONA BRASILEIRA DE TANGO

27 de setembro de 2014

EXTRA: Arrastão na pista

Incrível. O tempo passa, as coisas mudam, evoluem, mas certos maneirismos desvirtuados parecem congelados no tempo. Chegam a ser engraçados se não fossem essencialmente falta de oportunidade para compreender o que é civilização.

Vejo que alguns casais, inclusive de profissionais da área da dança, ainda confundem autódromo de corrida automobilística com pista de dança. Segue-se um fluxo natural, harmônico, historicamente típico de um salão de danças que flui no anti-horário. Queria poder ver este salão de cima. E surge um casal que parece contar avidamente a quantidade de voltas que consegue dar no que a sua imaginação, ou alucinação, revela como "adversário". Quando pensamos que a turbulência passou, lá vem novamente atrás manobrando para "ultrapassar". Pior, não percebem, mas a forma que dançam, por mais dominada e com alguma articulação ou estética própria sem fundamento, equipara-se a um caminhão guiado por um embriagado em meio a carros de passeio nos quais casais desfrutam de uma noite de luar. Como diz uma colega minha, "treva". Brutamontes entorpecidos que abrem clareiras com cotoveladas e saltadas. O mais incrível é a pose de superioridade, de quem "pode" mais.

Acho que já é tempo de aprender e ensinar, nas escolas de dança, sobre a importância de reconhecer o local em que se está, suas características e regras, para respeitá-las. Este é o primeiro passo para começar a entender o que realmente importa em uma pista de dança. Tem lugar para apostar corrida, tem lugar para gladiar, tem lugar para se exibir e tem lugar para tratar distúrbios. O salão de danças, em geral, não é ambiente para isto.

22 de setembro de 2014

Autorizada a dizer não

"Não".

Na vida e, especialmente em um salão, é uma resposta associada à falta de polidez. Entretanto, em determinados casos, o "não" é justo, em outros, necessário. Há um mito de que uma dama nunca pode dizer "não" quando convidada a dançar. Hoje, muitos autores já concordam com as exceções. Algumas situações são compatíveis com negativas mais obviamente, por exemplo, quando os convites vêm de cavalheiros embriagados, insuficientemente asseados, inadequadamente preparados para o local, praticantes de assédio sexual ou situações semelhantes em que se nota um desrespeito grosseiro anterior ao convite.

Mas o "Não" é necessário também em outras circunstâncias menos objetivas. Meu entendimento é que a observação do comportamento das pessoas, da forma como se movem e agem, na vida ou no salão, é indispensável para que saibamos nos posicionar de forma proporcional e civilizada, onde quer que estejamos.

O salão é uma passarela de indivíduos, cada um, habitado por seus anjos, e também por seus diabos. Como já disse meu pai em um de seus livros, somos todos "Diabanjos". Como na sociedade, na pista existem regras. Ali, o fluxo habitual de circulação é anti-horário. A linguagem vigente não é falada. A conversa, é cinesiológica e não verbal. É local para dançar e não para cantar, considerando inclusive o teor polissêmico da palavra. A concentração essencial está no par e não em quem pode assistir, existe palco para quem quer se satisfazer com a aprovação do expectador.

As coisas mais impressionantes, marcantes e belas de um salão, não são visíveis. São perceptíveis por outros sentidos que precisam das condições apropriadas para seu pleno funcionamento. É um dos melhores locais para perceber a humanidade e aprender sobre ela. No salão vemos, lado a lado, ignorância e sabedoria, petulância, arrogância e humildade, sensibilidade e sua ausência, respeito e desrespeito ao outro e ao ambiente, inteligência e estupidez, beleza e fealdade, honestidade e desonestidade, carência e independência, empatia e egocentrismo, altruísmo e egoísmo, fúria e calmaria, sexo e sensualidade, dramas íntimos mal resolvidos e serenidade, cooperação e individualismo descompensado... Ali está o humano, nú.

Fazendo um recorte deste universo infinito, é neste ambiente que começa a verificação de uma dama, sobre o seu direito, dentro de uma esfera cuja regra é a cordialidade, de dizer "não". É uma tarefa que começa com a observação, atenção ao que ocorre na pista e em seu entorno, percepção de detalhes, olhares, expressões, gestos, movimentos e seus conteúdos. Quando um cavalheiro, por exemplo, mostra como hábito dançar no meio de um salão no qual existe a regra do fluxo anti-horário, além de expor sua dama a uma situação provavelmente indesejada por ela, autoriza todas as demais a lhe negarem as próximas danças. Se a dama não pediu expressamente, o cavalheiro que fala com ela em pleno salão tentando dizer-lhe como quer que se porte ou se movimente, também autoriza todas as demais damas a lhe negarem as próximas danças. Especialmente quando faz questão de que terceiros percebam sua conduta. E é comum que cavalheiros assim sejam desprovidos da capacidade de entender as negativas que recebem, julgando equivocadamente que as damas proferidoras do "Não" para uma dança são despolidas. Mas na realidade o que ocorre é o contrário. Salão, seja de prática ou de dança, não é terra sem lei, nem palco, nem sala de aula, nem consultório. Uma dama mais caridosa e que tem algum amor próprio dirá "Sim" duas, três ou até mais vezes, dando a chance ao cavalheiro para que respeite o salão, mas, se isto não ocorrer, chegará o momento em que dirá "Não" a ele de forma irrevogável.

Cavalheiro de fato não convida para uma dança, em qualquer circunstância, uma dama que não observou com cuidado previamente. Uma vez que fez sua observação, entendeu como a dama se move, como dança, ao convidá-la está aceitando respeitar suas características, logo, não tem porque dizer para ela como quer que se porte ou responda ao que ele acredita ser condução. Fazer isto é falta de respeito com a dama e com o salão, e é ignorância associada à arrogância quando a vivência da profundidade da dança de salão é limitada por parte do cavalheiro.

Outra questão a notar é a opção feita pela dama quanto à linha técnica. Uma dama que escolheu seguir uma linha tradicional, procurou escolas que valorizam a história e o aprimoramento técnico específico, dificilmente terá prazer verdadeiro em dançar com cavalheiros que fizeram sua trajetória com linhas cuja fidelidade histórica não é um valor, com ensinadores mais eficientes em divulgar aulas de dezenas de danças do que em conhecer profundamente uma delas que seja. São escolhas, ambas válidas. Cabe ao cavalheiro, primeiramente, identificar damas que optaram por caminhos compatíveis com o seu para, então, fazer seu convite visando que os objetivos da dança sejam alcançados.

Muitos homens que estão no salão, com um pouco de sorte, são dançarinos. Mas cavalheiro que é cavalheiro de fato, entende o local em que está, respeita suas regras, estuda cada dama antes de convidá-la para um passeio na pista e assume para si a missão primordial satisfazê-la a cada dança.

13 de setembro de 2014

Amostra de universo

Gosto de divagar pensando que meu corpo é uma amostra ínfima, mas representativa, do universo.

É desmistificadora a ilusão, mesmo que tola, de conter fisicamente, de alguma forma, regras, ausências, presenças, transparências, opacidades, velocidades, estáticas, relatividades, partículas, luzes, escuridões, ondas, ordens, desordens, paralelismos, buracos, vácuos, grandezas, pequenezas, inícios, pausas, reinícios, continuidades e... fins.

A sensação de ampliar a verdadeira consciência corporal e do movimento me entrega a percepção de ser parte fugaz e indistinta do funcionamento universal.

Mover-me na harmônica conexão da parceria inspirada pela música, sonora ou silenciosa, desnudando a unicidade entre o que há dentro e fora, parece um dos mais deliciosos, belos e leves caminhos para desintegração individual, nexo de certa assimilação lúcida e sensorial do tudo.

Dançar pode ser uma forma de permitir que nossos corpos sintam respostas para as quais nossos cérebros são pequenos. Talvez mais, talvez dançar seja um jeito de ser devolvido ao universo sem morrer.

7 de setembro de 2014

Quer saber? Dance

Quer saber porque o mundo é como é? Vá a um salão, sente-se e analise criteriosa e demoradamente a forma como cada um se movimenta. O salão é um espelho da vida humana.

Quer participar intimamente das belezas e feiuras de alguém? Dedique-se para ser seu melhor parceiro na pista.

Quer sentir suas próprias belezas? Autorize a música a inspirar seu corpo.

Quer enxergar e admitir suas próprias fragilidades, conhecer e enfrentar suas mais variadas feiuras? Encare um verdadeiro salão de danças dançando com outras pessoas.

Mas se você não precisa entender o mundo real e menos ainda as próprias profundezas, dentre outras prevenções, jamais entregue-se à Dança de Salão.

4 de setembro de 2014

Dança de salão e comportamento preventivo

Os últimos meses foram marcantes para a Dança de Salão.

Uma denúncia pública de uma dama contra seu cavalheiro, que a teria incapacitado fisicamente para dançar, quebrou um verdadeiro Jarro de Pandora. Abriu-se um armário cheio de esqueletos de palcos, salões e até salas de aula.

O resultado foi uma onda de relatos de casos, artigos, textos e discussões sobre o perigo imposto por uma prática permeada pelos comportamentos de risco que derramou-se por periódicos e redes sociais. Danos físicos como resultado da adoção de comportamentos de risco não são novidades, há poucas semanas apresentei a questão no artigo: "Breve histórico de comportamentos de risco na Dança de Salão" (Revista Dança em Pauta, Coluna Dança e Comportamento)

A Dança de Salão começou a acordar, pensar e articular formas de prevenção para proteger seus praticantes de si mesmos.

Em meio a esta avalanche de revelações e da premente necessidade de mudar, nasce uma iniciativa que mostra caminhos para uma revolução.



Ontem iniciou no Todo Tango Studio um projeto único, que pode ser considerado uma referência em meio a uma escuridão de mais de um século na Dança de Salão. Vania Andreassi, estudiosa e professora dedicada ao universo do Tango, formada em Educação Física pela UFPR, em Dança pela UTP e tendo cursado ainda Fisioterapia na UTP, apresentou sua primeira aula de um método pioneiro, especialmente voltado às dificuldades apresentadas por seus alunos. Trata-se de uma atividade física que visa preparar o corpo trabalhando flexibilidade, equilíbrio, coordenação motora, fortalecendo grupos musculares importantes para a prática da Dança de Salão, especialmente para o Tango. Mais um dos aspectos valiosos é o trabalho de consciência do movimento que é oferecido ao aluno que busca uma prática saudável para toda a vida. Um método novo, que talvez mereça ser chamado "Método Andreassi" de preparação física com concentração em Tango.

Embora o objetivo principal seja subsidiar o organismo para uma prática duradoura e saudável do Tango, mais especificamente, pelo que pude constatar nesta aula, trata-se de um trabalho de atenção ao corpo em suas possibilidades e trabalho de potencialidades. É ainda, uma alternativa de atividade física para quem não tem afinidade com outras práticas comuns em academias.

Sem dúvida é uma iniciativa capaz de provocar uma reviravolta no âmbito do ensino da Dança de Salão. Não deixo de pensar que no futuro será uma base indispensável para danças praticadas em salões, palcos e salas de aula. Mais uma vez, abre-se a discussão sobre a formação do professor e sua responsabilidade com os corpos e mentes que estão sob sua orientação.

Parabéns Vania Andreassi, uma iniciativa revolucionária que, cedo ou tarde, será copiada pelos profissionais quem tiverem boa formação, competência e sabedoria.



31 de julho de 2014

História da Dança de Salão, quem pode pesquisar

Figura 1. Foto da página 358 do livro "Salões e Damas do Segundo Reinado", de Wanderley Pinho, 4ª. edição de 1970, mostrando a página inteira, com a imagem atribuída a “Um Baile no Cassino”. Segundo Schwarcz (1998), a mesma imagem foi publicada desde a edição do livro de Pinho que data de 1942

Figura 2. Reprodução da lâmina no. 28 do “Atlas de la historia física y política de Chile”, publicado por Claude Gay, em 1854, França, mostrando a obra do francês Pierre Frederic Lehnert, em comemoração do aniversário da independência do Chile, que ocorrera em 1818

Figura 3. À esquerda: recortes destacados do desenho de Lehnert publicado por Gay em 1854, mostrando exemplos das inscrições legíveis dos nomes das batalhas que levaram o Chile à independência. À direita: mesmos recortes na imagem do livro de Pinho, publicado posteriormente, com as inscrições sobrepostas por manchas escuras.

Figura 4. Acima: recorte do desenho de Lehnert publicado por Claude Gay em 1854, mostrando as bandeiras do Chile com estrelas visíveis. Abaixo: mesmo recorte na imagem publicada posteriormente no livro de Pinho, com as bandeiras descaracterizadas, sem que nenhuma estrela possa ser visualizada.

A motivação para esta postagem veio do momento em que ouvi a descrição de que uma bacharel em História criticara um livro sobre Dança de Salão, dedicado a contar sua história. O foco da crítica seria o fato de que o autor do livro, um escritor brasileiro, não seria graduado em História. Inicialmente lembremos que, merecendo críticas ou não a citada obra, não conhecemos nenhum livro brasileiro dedicado à história da Dança de Salão escrito por um bacharel em História. Vê-se, portanto, um vazio que se prolonga ao longo de anos em que faculdades e mais faculdades de Bacharelado em História são abertas pelo território nacional, juntamente com suas pós-graduações.

Isto faz pensar e desejar colocar alguns pontos sobre como funciona a pesquisa científica.

Primeiramente, é fundamental assimilar o fato de que não existem exigências legais, técnicas ou éticas para que determinado pesquisador seja formado na graduação tal ou qual para realizar uma pesquisa sobre a história no âmbito da Dança de Salão. Exige-se sim, que o resultado da pesquisa, o texto científico a ser publicado com suas revisões de literatura, metodologias, resultados, análises e/ou conclusões, seja aprovado por árbitros de um periódico incluído em indexadores científicos. Quanto à produção de livros, aí está uma boa razão para que sejam publicados de forma arbitrada. Frisemos, não são poucos os exemplos de pesquisadores que trouxeram contribuições para área da medicina e não são médicos, para área da biologia e não são biólogos, para área da história e não são bacharéis em História. A Dança de Salão tem sua história sendo escrita por profissionais das mais variadas áreas, incluindo, jornalismo, direito, educação física, informática, biologia entre outras. Gente que tem dedicado seu precioso tempo de vida para isto e merece algum respeito, especialmente por parte de quem se mantem alheio a este processo.

Quanto à Dança de Salão especificamente, precisamos notar que alguns historiadores chegaram a atrapalhar a produção e proliferação do conhecimento histórico confiável, o que se pode notar facilmente pelo caso "Cassino Fluminense". Para quem não lembra, Wanderley Pinho publicou em seu livro "Salões e Damas do Segundo Reinado", no ano de 1942, uma figura do salão de danças carioca "Cassino Fluminense" que de fato se trata de uma imagem do atual Museu Histórico Nacional do Chile. Saiba mais aqui: ‘Um baile no Cassino’ x ‘Un baile en la Casa de Gobierno’: indícios de uma fraude. O fato é que este erro foi reproduzido por historiadores e bacharéis em História, em livros e trabalhos acadêmicos produzidos dentro de universidades, sem ser descoberto por quase um século. E quem descobriu o erro grosseiro (veja as imagens), foi um profissional formado em Ciências Biológicas, curso originalmente denominado "História Natural". Por sinal, quem soube contar de forma consistente a história de surgimento de nossa espécie não foi um historiador, nem um bacharel em História. Se historiadores e bacharéis em História tivessem conhecimento sobre as características do salão de danças do Cassino Fluminense este erro não teria ocorrido e menos ainda seria reproduzido por tantas décadas. Isto justifica que verdadeiros estudiosos sobre a Dança de Salão, independente de suas formações, pesquisem e publiquem sobre sua história.

Seja como for, no que tange à pesquisa científica, todos que forem capazes de redigir propostas consistentes que incluam métodos válidos e resultados significativos são bem vindos. E quem julga isto são somente os conselhos editoriais dos periódicos científicos.

Como é a natureza do processo científico, aprimoramentos existem e todos são bem vindos também para ajustar a construção deste conhecimento. Para isto é preciso participar trabalhando e não apenas criticando. A colaboração de bacharéis em História é desejável, e possivelmente necessária neste contexto da Dança de Salão. O convite está aí para que aconteça efetivamente.

Por fim, é prudente refletir sobre o fato de que é muito comum um improdutivo criticar quem está fazendo algo de fato. Difícil é que produza algo útil e confiável.

28 de julho de 2014

História da Dança de Salão no Brasil, Maranhão do século XIX



Novo artigo é publicado este mês.

Agora, trazendo resultados da pesquisa em periódicos produzidos no Maranhão do século XIX.


Saiba mais:

História da Dança de Salão no Brasil, Maranhão do século XIXLecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 194. Julho, 2014.

História da Dança de Salão no Brasil: Pernambuco do século XIXLecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 192. Abril, 2014.

História da Dança de Salão no Brasil: Curitiba e Paraná do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 188. Janeiro, 2014.

História da Dança de Salão no Brasil: mestres no Rio de Janeiro do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 187. Dezembro, 2013.

História da Dança de Salão no Brasil do século XIX e os irmãos Lacombe. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 186. Novembro, 2013.

História da Dança de Salão no Brasil: São Paulo, SP do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 185. Outubro, 2013.

História da Dança de Salão no Brasil: século XVIII e alguns antecedentes. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 184. Setembro, 2013.

‘Um baile no Cassino’ x ‘Un baile en la Casa de Gobierno’:indícios de uma fraudeLecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 173. Outubro, 2012.

26 de julho de 2014

Zouk e o peso nocivo da condução

Imagem radiológica revelando redução de espaços intervertebrais devido às hérnias de disco.

Esta semana li em uma rede social, por sugestão da amiga Leila Vieira Cruz, a denúncia de uma dançarina de Zouk, Luciana Lua, acusando a brutalidade de seu parceiro de tê-la levado a uma hérnia de disco cervical. A imagem que ilustra esta postagem é de um dos meus exames médicos, publico aqui inspirada por esta denúncia de Luciana Lua que usou o mesmo recurso. 

Lendo esta denúncia, foi inevitável lembrar de um dia em que eu estava toda de branco, feliz e inteira quando saí de casa. E veio só uma dança, uma única dança. Eu não imaginava suas consequências. Tudo estava maravilhoso, até que o cavalheiro me colocou em um chicote e... antes que eu o finalizasse, me puxou pelo braço com tal força que não consegui segurar a cabeça... ouvi o som do disco intervertebral rompendo e veio a dor, que seria minha nova companheira de vida. Este cavalheiro não desejava de forma alguma ferir uma dama, não era meu parceiro nem professor. Mas, seja como for, a partir desta dança, eu carregaria todos os dias, só para começar, a dor de uma hérnia de disco cervical.

Levei algum tempo para entender o estrago e procurar ajuda. Daniele Miranda, fisioterapeuta competentíssima, amiga de longa data, fez o primeiro alerta e me orientou nas primeiras providências, já que meu pescoço havia enrijecido inviabilizando movimentos. Indicou-me o Doutor Afonso Klein Junior, ortopedista com quem me trato até hoje. Quando ele viu minha ressonância, perguntou se eu havia sofrido um acidente automobilístico com colisão traseira, já que a lesão era compatível com este tipo de situação. Informou que minha coluna parecia "moída", equivalente à coluna lesionada de uma senhora de 90 anos e com esta consciência eu deveria passar a me cuidar. Até hoje tenho limitações em consequência daquela dança. E não parou em uma hérnia, sou portadora de uma deficiência física, motora, que impede a escrita manual, o que se desenvolveu após este acidente no Zouk. Este evento teria despertado um comprometimento neurológico que poderia nunca ter se manifestado. Também carrego mais duas hérnias de disco lombares que não tenho como precisar quando aconteceram, mas, a suspeita mais provável é de terem sido construídas ao longo de alguns anos de Zouk. 

O fato é que éramos todos muito jovens e as informações que existem hoje, ao alcance de todos, sobre os perigos do Zouk, talvez não passassem nem de suspeitas de alguns chatos, desmancha prazeres. Nesta época, final da década de noventa, convivi com cavalheiros cuidadosos, no momento me ocorrem os nomes de Carlinhos Moro e Nil Ramos. Existiam também os outros que, entorpecidos pela dança apaixonante, perdiam o controle. E existiam os brutais, geralmente arrogantes com egos descompensados.

Em 2005 publiquei meu depoimento sobre o Zouk e minha hérnia de disco cervical com suas consequências, no livro "Dança de salão, a caminho da licenciatura". Ouvi críticas. O tempo passou. Em 2007, os pesquisadores da área da fisioterapia Leonardo Santos Mósca e Fábio Sprada de Menezes publicaram na revista Pergamum, da Udesc, o artigo científico "Incidência de lombalgia em praticantes de Zouk (lambada) do sexo feminino do sul do Brasil". Izabela Lucchese Gavioli publicou na Revista Dança em Pauta em 2010, o artigo "Cuidados com a coluna na dança de salão" e em 2013 foi mais enfática, não deixou margem para nenhuma dúvida no artigo: "Zouk, cambre e a dor na coluna". Ela ouviu críticas. Com os três últimos textos citados, saímos do campo dos "depoimentos" e passamos ao universo da análise de fatos concretos, dos registros técnicos produzidos por profissionais da área da fisioterapia e uma médica com experiência tanto em dança quanto em medicina do esporte. 

Infelizmente, no Brasil, existem vários tipos de analfabetismo, desde aquele em que as letras não são compreendidas, passando por aquele em que se compreendem letras e não conteúdos, aquele em que se entendem letras e conteúdos mas a assimilação não acontece, seja pela razão que for e, por fim, aquele em que o indivíduo sabe ler, mas, simplesmente não sabe a importância de fazê-lo. Hoje, diferente de cerca de uma década para trás, existe informação ao acesso fácil, para quem quiser e souber ler. Professores e treinadores tem a obrigação de buscar informação e se apropriar dela. Cada dia que passa é menos justificável que alguém se machuque em um salão de dança, ou em um palco, por desconhecer riscos. Mas, os fatos, são estes como do depoimento cuja leitura foi indicada por Leila Vieira Cruz, damas lesionadas no Zouk.

O tempo também nos ensina que a condução leve é mais segura. O cavalheiro que aplica o mínimo de força para comunicar, faz a dama sentir que realiza movimentos de forma tão suave que nem parecem conduzidos. Uma condução leve permite que a dama se proteja de movimentos perigosos para ela. Uma condução pesada, bruta, muitas vezes, é sentença de lesão. O cavalheiro que pratica condução mais pesada que o necessário precisa ouvir "não" ao tirar uma dama para dançar. 

Fiquei anos sem dançar Zouk, mas, recentemente me arrisquei novamente, sem a liberdade de movimentos que tinha, mas, com aquele desejo de sentir o prazer inigualável desta dança. Após dançar tango com José Luis da Silva, e sentir a condução agradavelmente leve, senti segurança e me permiti experimentar o Zouk. Por fim agradeço a este cavalheiro que me oportunizou viver novamente o prazer do Zouk com a leveza necessária para que eu sentisse confiança. 

Se algum conselho pode valer qualquer coisa, digo a dançarinas e dançarinos, antes de se entregarem aos riscos nocivos do Zouk, leiam, estudem, entendam ao que estão se expondo, se preparem, avaliem se o Zouk pode ser prejudicial para seu corpo. Cavalheiros, assimilem que o Zouk pode ser uma arma e o gatilho é a condução pesada, bruta, despreparada ou errada. Damas, não se submetam a cavalheiros brutos, arrogantes, ignorantes, inexperientes ou com conduções mais pesadas que o necessário, digam "não". É bom lembrar que precisaremos levar nossos corpos conosco até o fim, então, a sabedoria está em preservá-los de todas as formas possíveis. 

6 de maio de 2014

História da Dança de Salão no Brasil, Pernambuco do século XIX

Seguindo a série de publicações sobre a História da Dança de Salão no Brasil, esta semana foi publicado o artigo "História da Dança de Salão no Brasil: Pernambuco do século XIX".

Fonte:
http://www.efdeportes.com/efd192/historia-da-danca-pernambuco-seculo-xix.htm
Esta série vem trazendo publicações resultantes de pesquisas em centenas de periódicos brasileiros do século XIX. Já são 6 (seis) artigos publicados que, em seu conjunto, começam a revelar detalhes incríveis desta história pelo variado território brasileiro, nos permitindo imaginar com mais propriedade o que foi a Dança de Salão no século XIX brasileiro.

Quem se interessa pelo tema pode conferir os artigos da série em seus links:



8 de abril de 2014

Etiqueta para Dança de Salão

Está previsto, para breve, o lançamento de mais um livro da autoria de Maristela Zamoner, intitulado "Etiqueta para Dança de Salão", pela Editora Protexto.

O livro agrega exemplos variados, sugestões de conduta e uma diversidade de discussões sobre comportamento nos mais variados ambientes que envolvem a temática da Dança de Salão, desde os salões propriamente ditos até, por exemplo, escolas e ambientes virtuais.

Resultado de pesquisa, observação e análise ao longo de anos, está voltado para o público que pratica Dança de Salão e deseja participar do processo de consolidação da convivência agradável, produtiva e civilizada desta arte.

Conheça outras publicações da autora aqui.

14 de janeiro de 2014

História da Dança de Salão no Paraná do século XIX

Você sabia que:

  1. Já havia ensino de dança em Curitiba no século XIX? 
  2. Neste século XIX, mais precisamente em 1890, Ernesto Schimidt anunciava aulas de dança no periódico "A República"?
  3. Entre 1882 e 1895 o Colégio São José ofertou aulas de dança a seus alunos do ensino formal?
  4. O Paraná tornou-se uma província independente de São Paulo em 1853 e no ano seguinte o surgimento da sociedade de dança Harmonia iniciava o legado das associações de dança?
  5. Em 02 de junho de 1880 ocorreu o que provavelmente foi o baile mais importante do século XIX para Curitiba, oferecido ao Imperador no Museu Paranaense?
Uma nova publicação revela um contexto histórico que só foi possível conhecer pela sistematização de dados que se encontravam dispersos em dezenas de jornais da época. 

Saiba mais em: História da Dança de Salão no Brasil: Curitiba e Paraná do século XIX