31 de julho de 2014

História da Dança de Salão, quem pode pesquisar

Figura 1. Foto da página 358 do livro "Salões e Damas do Segundo Reinado", de Wanderley Pinho, 4ª. edição de 1970, mostrando a página inteira, com a imagem atribuída a “Um Baile no Cassino”. Segundo Schwarcz (1998), a mesma imagem foi publicada desde a edição do livro de Pinho que data de 1942

Figura 2. Reprodução da lâmina no. 28 do “Atlas de la historia física y política de Chile”, publicado por Claude Gay, em 1854, França, mostrando a obra do francês Pierre Frederic Lehnert, em comemoração do aniversário da independência do Chile, que ocorrera em 1818

Figura 3. À esquerda: recortes destacados do desenho de Lehnert publicado por Gay em 1854, mostrando exemplos das inscrições legíveis dos nomes das batalhas que levaram o Chile à independência. À direita: mesmos recortes na imagem do livro de Pinho, publicado posteriormente, com as inscrições sobrepostas por manchas escuras.

Figura 4. Acima: recorte do desenho de Lehnert publicado por Claude Gay em 1854, mostrando as bandeiras do Chile com estrelas visíveis. Abaixo: mesmo recorte na imagem publicada posteriormente no livro de Pinho, com as bandeiras descaracterizadas, sem que nenhuma estrela possa ser visualizada.

A motivação para esta postagem veio do momento em que ouvi a descrição de que uma bacharel em História criticara um livro sobre Dança de Salão, dedicado a contar sua história. O foco da crítica seria o fato de que o autor do livro, um escritor brasileiro, não seria graduado em História. Inicialmente lembremos que, merecendo críticas ou não a citada obra, não conhecemos nenhum livro brasileiro dedicado à história da Dança de Salão escrito por um bacharel em História. Vê-se, portanto, um vazio que se prolonga ao longo de anos em que faculdades e mais faculdades de Bacharelado em História são abertas pelo território nacional, juntamente com suas pós-graduações.

Isto faz pensar e desejar colocar alguns pontos sobre como funciona a pesquisa científica.

Primeiramente, é fundamental assimilar o fato de que não existem exigências legais, técnicas ou éticas para que determinado pesquisador seja formado na graduação tal ou qual para realizar uma pesquisa sobre a história no âmbito da Dança de Salão. Exige-se sim, que o resultado da pesquisa, o texto científico a ser publicado com suas revisões de literatura, metodologias, resultados, análises e/ou conclusões, seja aprovado por árbitros de um periódico incluído em indexadores científicos. Quanto à produção de livros, aí está uma boa razão para que sejam publicados de forma arbitrada. Frisemos, não são poucos os exemplos de pesquisadores que trouxeram contribuições para área da medicina e não são médicos, para área da biologia e não são biólogos, para área da história e não são bacharéis em História. A Dança de Salão tem sua história sendo escrita por profissionais das mais variadas áreas, incluindo, jornalismo, direito, educação física, informática, biologia entre outras. Gente que tem dedicado seu precioso tempo de vida para isto e merece algum respeito, especialmente por parte de quem se mantem alheio a este processo.

Quanto à Dança de Salão especificamente, precisamos notar que alguns historiadores chegaram a atrapalhar a produção e proliferação do conhecimento histórico confiável, o que se pode notar facilmente pelo caso "Cassino Fluminense". Para quem não lembra, Wanderley Pinho publicou em seu livro "Salões e Damas do Segundo Reinado", no ano de 1942, uma figura do salão de danças carioca "Cassino Fluminense" que de fato se trata de uma imagem do atual Museu Histórico Nacional do Chile. Saiba mais aqui: ‘Um baile no Cassino’ x ‘Un baile en la Casa de Gobierno’: indícios de uma fraude. O fato é que este erro foi reproduzido por historiadores e bacharéis em História, em livros e trabalhos acadêmicos produzidos dentro de universidades, sem ser descoberto por quase um século. E quem descobriu o erro grosseiro (veja as imagens), foi um profissional formado em Ciências Biológicas, curso originalmente denominado "História Natural". Por sinal, quem soube contar de forma consistente a história de surgimento de nossa espécie não foi um historiador, nem um bacharel em História. Se historiadores e bacharéis em História tivessem conhecimento sobre as características do salão de danças do Cassino Fluminense este erro não teria ocorrido e menos ainda seria reproduzido por tantas décadas. Isto justifica que verdadeiros estudiosos sobre a Dança de Salão, independente de suas formações, pesquisem e publiquem sobre sua história.

Seja como for, no que tange à pesquisa científica, todos que forem capazes de redigir propostas consistentes que incluam métodos válidos e resultados significativos são bem vindos. E quem julga isto são somente os conselhos editoriais dos periódicos científicos.

Como é a natureza do processo científico, aprimoramentos existem e todos são bem vindos também para ajustar a construção deste conhecimento. Para isto é preciso participar trabalhando e não apenas criticando. A colaboração de bacharéis em História é desejável, e possivelmente necessária neste contexto da Dança de Salão. O convite está aí para que aconteça efetivamente.

Por fim, é prudente refletir sobre o fato de que é muito comum um improdutivo criticar quem está fazendo algo de fato. Difícil é que produza algo útil e confiável.

28 de julho de 2014

História da Dança de Salão no Brasil, Maranhão do século XIX



Novo artigo é publicado este mês.

Agora, trazendo resultados da pesquisa em periódicos produzidos no Maranhão do século XIX.


Saiba mais:

História da Dança de Salão no Brasil, Maranhão do século XIXLecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 194. Julho, 2014.

História da Dança de Salão no Brasil: Pernambuco do século XIXLecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 192. Abril, 2014.

História da Dança de Salão no Brasil: Curitiba e Paraná do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 188. Janeiro, 2014.

História da Dança de Salão no Brasil: mestres no Rio de Janeiro do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 187. Dezembro, 2013.

História da Dança de Salão no Brasil do século XIX e os irmãos Lacombe. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 186. Novembro, 2013.

História da Dança de Salão no Brasil: São Paulo, SP do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 185. Outubro, 2013.

História da Dança de Salão no Brasil: século XVIII e alguns antecedentes. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 184. Setembro, 2013.

‘Um baile no Cassino’ x ‘Un baile en la Casa de Gobierno’:indícios de uma fraudeLecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 173. Outubro, 2012.

26 de julho de 2014

Zouk e o peso nocivo da condução

Imagem radiológica revelando redução de espaços intervertebrais devido às hérnias de disco.

Esta semana li em uma rede social, por sugestão da amiga Leila Vieira Cruz, a denúncia de uma dançarina de Zouk, Luciana Lua, acusando a brutalidade de seu parceiro de tê-la levado a uma hérnia de disco cervical. A imagem que ilustra esta postagem é de um dos meus exames médicos, publico aqui inspirada por esta denúncia de Luciana Lua que usou o mesmo recurso. 

Lendo esta denúncia, foi inevitável lembrar de um dia em que eu estava toda de branco, feliz e inteira quando saí de casa. E veio só uma dança, uma única dança. Eu não imaginava suas consequências. Tudo estava maravilhoso, até que o cavalheiro me colocou em um chicote e... antes que eu o finalizasse, me puxou pelo braço com tal força que não consegui segurar a cabeça... ouvi o som do disco intervertebral rompendo e veio a dor, que seria minha nova companheira de vida. Este cavalheiro não desejava de forma alguma ferir uma dama, não era meu parceiro nem professor. Mas, seja como for, a partir desta dança, eu carregaria todos os dias, só para começar, a dor de uma hérnia de disco cervical.

Levei algum tempo para entender o estrago e procurar ajuda. Daniele Miranda, fisioterapeuta competentíssima, amiga de longa data, fez o primeiro alerta e me orientou nas primeiras providências, já que meu pescoço havia enrijecido inviabilizando movimentos. Indicou-me o Doutor Afonso Klein Junior, ortopedista com quem me trato até hoje. Quando ele viu minha ressonância, perguntou se eu havia sofrido um acidente automobilístico com colisão traseira, já que a lesão era compatível com este tipo de situação. Informou que minha coluna parecia "moída", equivalente à coluna lesionada de uma senhora de 90 anos e com esta consciência eu deveria passar a me cuidar. Até hoje tenho limitações em consequência daquela dança. E não parou em uma hérnia, sou portadora de uma deficiência física, motora, que impede a escrita manual, o que se desenvolveu após este acidente no Zouk. Este evento teria despertado um comprometimento neurológico que poderia nunca ter se manifestado. Também carrego mais duas hérnias de disco lombares que não tenho como precisar quando aconteceram, mas, a suspeita mais provável é de terem sido construídas ao longo de alguns anos de Zouk. 

O fato é que éramos todos muito jovens e as informações que existem hoje, ao alcance de todos, sobre os perigos do Zouk, talvez não passassem nem de suspeitas de alguns chatos, desmancha prazeres. Nesta época, final da década de noventa, convivi com cavalheiros cuidadosos, no momento me ocorrem os nomes de Carlinhos Moro e Nil Ramos. Existiam também os outros que, entorpecidos pela dança apaixonante, perdiam o controle. E existiam os brutais, geralmente arrogantes com egos descompensados.

Em 2005 publiquei meu depoimento sobre o Zouk e minha hérnia de disco cervical com suas consequências, no livro "Dança de salão, a caminho da licenciatura". Ouvi críticas. O tempo passou. Em 2007, os pesquisadores da área da fisioterapia Leonardo Santos Mósca e Fábio Sprada de Menezes publicaram na revista Pergamum, da Udesc, o artigo científico "Incidência de lombalgia em praticantes de Zouk (lambada) do sexo feminino do sul do Brasil". Izabela Lucchese Gavioli publicou na Revista Dança em Pauta em 2010, o artigo "Cuidados com a coluna na dança de salão" e em 2013 foi mais enfática, não deixou margem para nenhuma dúvida no artigo: "Zouk, cambre e a dor na coluna". Ela ouviu críticas. Com os três últimos textos citados, saímos do campo dos "depoimentos" e passamos ao universo da análise de fatos concretos, dos registros técnicos produzidos por profissionais da área da fisioterapia e uma médica com experiência tanto em dança quanto em medicina do esporte. 

Infelizmente, no Brasil, existem vários tipos de analfabetismo, desde aquele em que as letras não são compreendidas, passando por aquele em que se compreendem letras e não conteúdos, aquele em que se entendem letras e conteúdos mas a assimilação não acontece, seja pela razão que for e, por fim, aquele em que o indivíduo sabe ler, mas, simplesmente não sabe a importância de fazê-lo. Hoje, diferente de cerca de uma década para trás, existe informação ao acesso fácil, para quem quiser e souber ler. Professores e treinadores tem a obrigação de buscar informação e se apropriar dela. Cada dia que passa é menos justificável que alguém se machuque em um salão de dança, ou em um palco, por desconhecer riscos. Mas, os fatos, são estes como do depoimento cuja leitura foi indicada por Leila Vieira Cruz, damas lesionadas no Zouk.

O tempo também nos ensina que a condução leve é mais segura. O cavalheiro que aplica o mínimo de força para comunicar, faz a dama sentir que realiza movimentos de forma tão suave que nem parecem conduzidos. Uma condução leve permite que a dama se proteja de movimentos perigosos para ela. Uma condução pesada, bruta, muitas vezes, é sentença de lesão. O cavalheiro que pratica condução mais pesada que o necessário precisa ouvir "não" ao tirar uma dama para dançar. 

Fiquei anos sem dançar Zouk, mas, recentemente me arrisquei novamente, sem a liberdade de movimentos que tinha, mas, com aquele desejo de sentir o prazer inigualável desta dança. Após dançar tango com José Luis da Silva, e sentir a condução agradavelmente leve, senti segurança e me permiti experimentar o Zouk. Por fim agradeço a este cavalheiro que me oportunizou viver novamente o prazer do Zouk com a leveza necessária para que eu sentisse confiança. 

Se algum conselho pode valer qualquer coisa, digo a dançarinas e dançarinos, antes de se entregarem aos riscos nocivos do Zouk, leiam, estudem, entendam ao que estão se expondo, se preparem, avaliem se o Zouk pode ser prejudicial para seu corpo. Cavalheiros, assimilem que o Zouk pode ser uma arma e o gatilho é a condução pesada, bruta, despreparada ou errada. Damas, não se submetam a cavalheiros brutos, arrogantes, ignorantes, inexperientes ou com conduções mais pesadas que o necessário, digam "não". É bom lembrar que precisaremos levar nossos corpos conosco até o fim, então, a sabedoria está em preservá-los de todas as formas possíveis.