6 de agosto de 2017

Rápida visão sobre concursos de dança    

      
Por Milton Saldanha
Jornalista, fundador do jornal Dance - São Paulo

O grande risco de um concurso de dança é o vencedor acreditar que seja verdade. Do dia para a noite, ele, ou ela, se transforma no “melhor do Brasil”, ou “melhor do mundo”, por obra e graça de um corpo de jurados tão infalível quanto possa o ser humano acreditar que isso seja possível. Ou seja, probabilidade zero.

Exceto em casos de disparidade gritante entre os participantes, julgar dança é algo impossível. Porque são múltiplos os fatores que diferenciam cada pessoa, e cada dança. Assim como fatores subjetivos vão diferenciar a visão de cada jurado e de cada pessoa do público. Principalmente na música isso é visível e ilustra bem este ponto de vista: aquela que me emociona não será, necessariamente, aquela que vai emocionar outras pessoas, muito menos a todos.

Na dança, são tantos, e tão variados, os fatores técnicos, que se tornará impossível a unanimidade do olhar. Eu, por exemplo, no tango, julgo o dançarino pela qualidade da sua pisada. Isso mesmo, a pisada, um detalhe tão aparentemente pequeno quanto imenso na estrutura do movimento. Nem todos, claro, têm o mesmo olhar. Há pessoas que preferem observar o torço, lá no alto do casal, que no tango é também uma área fundamental.

Como todo olhar sobre os dançarinos será sempre subjetivo, cada pessoa terá uma forma de ver. Afirmar que A dança melhor que B será sempre um ponto de vista particular, mas jamais coletivo. É isso que explica que aquele casal, no qual apostamos todas as fichas, não se classifique, ou fique num patamar abaixo da nossa expectativa.

Não quero, com isso, desqualificar os concursos, nem desanimar vencedores. Quero apenas sugerir que não viajem no espaço sideral, perdendo os pés do chão.

Gosto dos concursos, eles me divertem e até emocionam. Estimulam a moçada a lutar. Agitam a dança, e isso é bom.

A prova disso é que fui a todas as edições do campeonato mundial de tango, em Buenos Aires, e lá estarei novamente, neste agosto. Já fui também jurado, em pequenos concursos.  Mas nada disso turva minha visão crítica. Pelo contrário, a experiência só acentua minha convicção do quanto é impossível julgar dança. Uma prova é que muitas vezes, no ato de julgar, busca-se não a virtude criativa e sim o momento do erro, ou suposto erro. Basta um escorregão, por um defeito qualquer da pista, e lá se foi a chance de um casal que se apresentou com esplendor.

Além de que concursos, como na categoria tango-salão, tendem a premiar os contidos e não os ousados. Isso esbarra no conceito de arte, que não existe sem a ousadia, e sem os riscos a ela inerentes.

Nenhum concurso de dança será a expressão da verdade. Quando alguém supera outro por um décimo, foi a subjetividade do olhar de um jurado que decidiu isso. Por mais iluminado que seja, ele não carrega na testa o carimbo de proprietário da dança. Apenas exerce um poder decisório momentâneo, que pode ser questionado sob os mais variados critérios.
 Jovens vencedores de concursos precisam ficar alertas para as armadilhas do auto deslumbramento. Nada pior do que um nariz empinado na fronte de alguém que mal saiu das fraldas na dança, que exige anos de maturidade e treino intensivo. Calma, gente!

Haverá ainda muito a aprender, praticar, limpar, evoluir. Além das frustrações, sem as quais não se alcança a maturidade.

O recado vale também para os supostos perdedores. Se não souber lidar com a derrota, fique longe dos concursos.  

Não existem os “melhores do Brasil”, ou “melhores do mundo”. Ou até existem, mas aos olhos de cada pessoa. Jamais de todas. Cada indivíduo elege seus preferidos, numa escala de valores estritamente pessoal. Admiração não surge pelo que dizem, ou por algo que algum concurso decretou, e sim pelo que sentimos. Cada pessoa terá um modo diferente de sentir, e nisso está a beleza da diversidade, em qualquer campo da arte.   
O que existe, de fato, é o melhor dançarino deste, ou daquele, concurso. Apenas isso. Mesmo assim sempre com direito à inevitável polêmica. 

Milton Saldanha
Jornal Dance, editor

Agradecemos ao autor por autorizar a publicação deste artigo inspirador em nosso blog.