26 de julho de 2014

Zouk e o peso nocivo da condução

Imagem radiológica revelando redução de espaços intervertebrais devido às hérnias de disco.

Esta semana li em uma rede social, por sugestão da amiga Leila Vieira Cruz, a denúncia de uma dançarina de Zouk, Luciana Lua, acusando a brutalidade de seu parceiro de tê-la levado a uma hérnia de disco cervical. A imagem que ilustra esta postagem é de um dos meus exames médicos, publico aqui inspirada por esta denúncia de Luciana Lua que usou o mesmo recurso. 

Lendo esta denúncia, foi inevitável lembrar de um dia em que eu estava toda de branco, feliz e inteira quando saí de casa. E veio só uma dança, uma única dança. Eu não imaginava suas consequências. Tudo estava maravilhoso, até que o cavalheiro me colocou em um chicote e... antes que eu o finalizasse, me puxou pelo braço com tal força que não consegui segurar a cabeça... ouvi o som do disco intervertebral rompendo e veio a dor, que seria minha nova companheira de vida. Este cavalheiro não desejava de forma alguma ferir uma dama, não era meu parceiro nem professor. Mas, seja como for, a partir desta dança, eu carregaria todos os dias, só para começar, a dor de uma hérnia de disco cervical.

Levei algum tempo para entender o estrago e procurar ajuda. Daniele Miranda, fisioterapeuta competentíssima, amiga de longa data, fez o primeiro alerta e me orientou nas primeiras providências, já que meu pescoço havia enrijecido inviabilizando movimentos. Indicou-me o Doutor Afonso Klein Junior, ortopedista com quem me trato até hoje. Quando ele viu minha ressonância, perguntou se eu havia sofrido um acidente automobilístico com colisão traseira, já que a lesão era compatível com este tipo de situação. Informou que minha coluna parecia "moída", equivalente à coluna lesionada de uma senhora de 90 anos e com esta consciência eu deveria passar a me cuidar. Até hoje tenho limitações em consequência daquela dança. E não parou em uma hérnia, sou portadora de uma deficiência física, motora, que impede a escrita manual, o que se desenvolveu após este acidente no Zouk. Este evento teria despertado um comprometimento neurológico que poderia nunca ter se manifestado. Também carrego mais duas hérnias de disco lombares que não tenho como precisar quando aconteceram, mas, a suspeita mais provável é de terem sido construídas ao longo de alguns anos de Zouk. 

O fato é que éramos todos muito jovens e as informações que existem hoje, ao alcance de todos, sobre os perigos do Zouk, talvez não passassem nem de suspeitas de alguns chatos, desmancha prazeres. Nesta época, final da década de noventa, convivi com cavalheiros cuidadosos, no momento me ocorrem os nomes de Carlinhos Moro e Nil Ramos. Existiam também os outros que, entorpecidos pela dança apaixonante, perdiam o controle. E existiam os brutais, geralmente arrogantes com egos descompensados.

Em 2005 publiquei meu depoimento sobre o Zouk e minha hérnia de disco cervical com suas consequências, no livro "Dança de salão, a caminho da licenciatura". Ouvi críticas. O tempo passou. Em 2007, os pesquisadores da área da fisioterapia Leonardo Santos Mósca e Fábio Sprada de Menezes publicaram na revista Pergamum, da Udesc, o artigo científico "Incidência de lombalgia em praticantes de Zouk (lambada) do sexo feminino do sul do Brasil". Izabela Lucchese Gavioli publicou na Revista Dança em Pauta em 2010, o artigo "Cuidados com a coluna na dança de salão" e em 2013 foi mais enfática, não deixou margem para nenhuma dúvida no artigo: "Zouk, cambre e a dor na coluna". Ela ouviu críticas. Com os três últimos textos citados, saímos do campo dos "depoimentos" e passamos ao universo da análise de fatos concretos, dos registros técnicos produzidos por profissionais da área da fisioterapia e uma médica com experiência tanto em dança quanto em medicina do esporte. 

Infelizmente, no Brasil, existem vários tipos de analfabetismo, desde aquele em que as letras não são compreendidas, passando por aquele em que se compreendem letras e não conteúdos, aquele em que se entendem letras e conteúdos mas a assimilação não acontece, seja pela razão que for e, por fim, aquele em que o indivíduo sabe ler, mas, simplesmente não sabe a importância de fazê-lo. Hoje, diferente de cerca de uma década para trás, existe informação ao acesso fácil, para quem quiser e souber ler. Professores e treinadores tem a obrigação de buscar informação e se apropriar dela. Cada dia que passa é menos justificável que alguém se machuque em um salão de dança, ou em um palco, por desconhecer riscos. Mas, os fatos, são estes como do depoimento cuja leitura foi indicada por Leila Vieira Cruz, damas lesionadas no Zouk.

O tempo também nos ensina que a condução leve é mais segura. O cavalheiro que aplica o mínimo de força para comunicar, faz a dama sentir que realiza movimentos de forma tão suave que nem parecem conduzidos. Uma condução leve permite que a dama se proteja de movimentos perigosos para ela. Uma condução pesada, bruta, muitas vezes, é sentença de lesão. O cavalheiro que pratica condução mais pesada que o necessário precisa ouvir "não" ao tirar uma dama para dançar. 

Fiquei anos sem dançar Zouk, mas, recentemente me arrisquei novamente, sem a liberdade de movimentos que tinha, mas, com aquele desejo de sentir o prazer inigualável desta dança. Após dançar tango com José Luis da Silva, e sentir a condução agradavelmente leve, senti segurança e me permiti experimentar o Zouk. Por fim agradeço a este cavalheiro que me oportunizou viver novamente o prazer do Zouk com a leveza necessária para que eu sentisse confiança. 

Se algum conselho pode valer qualquer coisa, digo a dançarinas e dançarinos, antes de se entregarem aos riscos nocivos do Zouk, leiam, estudem, entendam ao que estão se expondo, se preparem, avaliem se o Zouk pode ser prejudicial para seu corpo. Cavalheiros, assimilem que o Zouk pode ser uma arma e o gatilho é a condução pesada, bruta, despreparada ou errada. Damas, não se submetam a cavalheiros brutos, arrogantes, ignorantes, inexperientes ou com conduções mais pesadas que o necessário, digam "não". É bom lembrar que precisaremos levar nossos corpos conosco até o fim, então, a sabedoria está em preservá-los de todas as formas possíveis. 

18 comentários:

  1. Maristela, seu relato foi importantíssimo; li seu livro em 2010 (está aqui ao meu lado, todo marcado de verde-limão!), e logo após escrevi o primeiro artigo sobre coluna na Dança em Pauta, no mesmo ano. O artigo de 2013 veio logo após eu encontrar o texto do Leonardo e do Fábio, uma das poucas referências científicas sobre lesões no zouk no Brasil. Creio que mexemos num "vespeiro", e é muito importante que tenhamos feito isto. É hora de discutir seriamente habilitação para docência em dança de salão; caso contrário, estará próximo o momento de os "professores" começarem a ser processados, como em qualquer outra profissão que traz dano aos clientes. E quanto ao praticante, o dançarino de baile que lesiona inadvertidamente sua parceira em uma dança eventual - para este, deve haver um código a seguir. Em várias técnicas de movimento com risco físico, como a dança aérea (que pratico) e a ginástica artística (antiga "olímpica"), há movimentos proibidos. Sim, PROIBIDOS, porque já causaram lesões sérias e permanentes a atletas/artistas anteriormente. Talvez precisemos criar um código de proibições. Não é justo o "Que pena, está lesionada? Ah, vire-se, não soube escolher bem o seu professor ou parceiro"...A pensar...
    E te agradeço muitítssimo, novamente a citação, a oportunidade do comentário, e a nossa já habitual comunhão de ideias.
    Abraço!

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  2. Izabela Lucchese Gavioli, fico muito contente em saber agora que o livro contribuiu, quando está prestes a fazer uma década de publicação. Mas, pessoas como você é que são a essência do processo todo de mudança, têm o conhecimento técnico, são os profissionais capacitados para dizer o que pode e o que não deve ser feito enquanto nós, que somos o resto do mundo da dança, temos que agradecer e obedecer. Quem quiser se rebelar, criticar ou ridicularizar, só dará atestado de ignorância e que assuma as consequências. Como você disse, nossa habitual comunhão de ideias... e de vespeiros. Particularmente, gosto de insetos rs rs. E esta questão dos processos que uma dama pode iniciar por ter sido lesionada também não seria novidade, sei de pelo menos um caso datado do século XIX, que ganhou os periódicos da época. Aí, é a vez de outros profissionais como Leila Cruz Vieira participarem!

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  3. Bacana suas contribuições, Zamoner! Sou um fã e divulgador de suas publicações no Curso de Licenciatura em Dança!!!!!!

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  4. Jonas, seja bem vindo! Agradeço suas palavras!!! Estou à disposição. Abraço!

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  5. Sensacional! Acho que essa incidência de lesões se deve também a falta de preparo dos professores. O que vejo por aí é que qualquer um é professor de dança de salão no geral, mas no Zouk em especial, basta saber fazer uns "movimentozinhos" mais elaborados, isso já te dá "permissão" pra ser professor. A maioria que aí está sequer tem noção da fisiologia do comportamento humano de forma a dar uma aula plena. Enfim.. excelente artigo !! Parabéns!!

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  6. Luiz Britto, muito obrigada pela participação por aqui e pela sabedoria nas palavras!!! Tem toda a razão sobre os professores ou, aqueles que assim se intitulam. Você é muito bem-vindo!

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  7. Parabéns Maristela pelo excelentes, textos, artigos, livros etc que você escreve em prol da dança de Salão!
    Procuro sempre por você na internet pta saber se tem algo escrito por você

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    1. Zéis, obrigada pela participação e pelas palavras de apoio, é sempre muito bom!

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  8. Ola bom dia!
    Que interessante esse artigo,nem imaginava que isso era comum assim.
    Acabei de fazer uma cirurgia, (rompimento do tendão do ombro),em consequência de uns 4 anos atrás um parceiro de dança de salão ter feito um movimento brusco num giro e lesionou o tendão.
    Apesar da dor momentânea, não dei importância demorei pra procurar um médico, fui quando as dores começou limitar os movimentos do braço, infelizmente com o passar dos anos o tendão rompeu e foi necessário agora fazer a reconstrução do mesmo.
    Foi bom saber desta incidência de lesões, pois pensava que o meu caso era isolado.
    Agora posso alertar meus amigos quanto a condução adequada em qualquer dança. Grata a autora

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  9. Ola bom dia!
    Que interessante esse artigo,nem imaginava que isso era comum assim.
    Acabei de fazer uma cirurgia, (rompimento do tendão do ombro),em consequência de uns 4 anos atrás um parceiro de dança de salão ter feito um movimento brusco num giro e lesionou o tendão.
    Apesar da dor momentânea, não dei importância demorei pra procurar um médico, fui quando as dores começou limitar os movimentos do braço, infelizmente com o passar dos anos o tendão rompeu e foi necessário agora fazer a reconstrução do mesmo.
    Foi bom saber desta incidência de lesões, pois pensava que o meu caso era isolado.
    Agora posso alertar meus amigos quanto a condução adequada em qualquer dança. Grata a autora

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    1. Regina, lamento pelo que passou. Espero que possa recuperar bem os movimentos. Infelizmente é mais comum do que imaginamos, pelos estudos que tenho feito em jornais do século XIX posso te dizer que damas lesionadas não começaram a aparecer na atualidade! Desejo que fique bem e agradeço sua participação por aqui!!!

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  10. Os cuidados devem ser entre ambos.
    Danço desde 2002. Carrego algumas lesões devido a damas brutas ou excessivamente pesadas: fratura no acetábulo, tendinite no supraespinhoso (ombros direito e esquerdo).

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  11. Hexaner Moro, seja bem-vindo! Tens toda razão, e está aí um assunto excelente para um novo artigo! Fica o convite, deixo este blog à sua disposição! Será um prazer registrar um pouco desta sua experiência, que certamente será valiosa para nossos leitores!

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  12. Muito interessante o artigo!
    Este depoimento deveria chegar até o pessoal do sertanejo universitário.
    A maioria dos professores são leigos e sem experiência no assunto.
    Estão usando demais o cambret sem a mínima noção do que possa acontecer.

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    1. Carlos, agradeço primeiramente sua participação! Você abordou um ponto muito importante, não citei no artigo, mas tenho mais duas hérnias de disco na lombar - cambret, sua observação é valiosa! Será um prazer recebe-lo por aqui outras vezes, é sempre bem-vindo!

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  13. Muito bom seu artigo. Ótimo pra deixar ciente os desavisados sobre o risco de uma má condução tanto no Zouk quanto em qualquer outro ritmo. Estava procurando na net sobre conduções do cavalheiro no zouk já que estou iniciando e me sinto muito inseguro ainda e achei muito válido. Só não estive de acordo no momento em que falou em dizer não aos inexperientes. Acredito que a dama deve se deixar ser conduzida por todos tipo de cavalheiro. Mas quando se encontrar com um que seja bruto na condução, ela possa se sentir a vontade de parar no meio da dança e falar ao cavalheiro sobre a condução que lhe seria mais agradável. Vai do cavalheiro aceitar o feedback ou não. Caso não se esforce para mudar sua condução desajeitada, aí sim é digno de um belo NÃO. A dança de salão é em conjunto, o homem tem que estar pensando no conforto da mulher, assim como a mulher no homem. Emfim, amei seu artigo e sem dúvida vou tá mais ciente agora dos riscos que as mulheres correm caso eu não conduza com precisão e leveza. Sucesso minha linda. E que você possa continuar desfrutando desse ritmo apaixonante mesmo com suas limitações. :) :*
    -Ednilson Junior-

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    1. Ednilson, que bom ter sua participação por aqui! Acho que o fato de eu pagar diariamente um preço muito alto por ter aceitado uma dança com um cavalheiro inexperiente quase me obriga a sugerir este cuidado, mas claro, você tem razão, é um posicionamento individual e cada um precisa agir do jeito que se sente melhor!!! De qualquer forma, agradeço sua leitura e depoimento, estas trocas de ideia são muito importantes para formação dos dançarinos e professores!!!

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  14. Olá amigos dancantes... Danço desde 1988 comecei na Lambada e dancei no Kaoma na França, reconheço que a condução leve é importante e deixo um alerta pois realmente é necessário uma reflexão como está, todo cuidado e pouco quando se trata de conduzir, conheço alguns casos graves de lesão feitas por uma condução agressiva e forçada causadas por professoress de fora do Brasil que até hoje deixaram sequelas.... Peço por gentileza na condução... 😉

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