18 de dezembro de 2014

Amizade não é escada

Certa vez, um conhecido postou em uma rede social a frase: "Para ter êxito na vida, é preciso ter amigos. Para manter seu êxito é preciso mais amigos". Caso queiramos considerar esta frase verdadeira, é necessário entender que êxito precisa estar ligado à integridade e não à política, como era a intenção de quem postou. Conheço pessoas que dedicaram suas vidas a fazer amizades para obter benefícios. Faziam amizade com pessoas influentes para obter cargos de chefia importantes. Faziam amizade com determinados profissionais para ter seus serviços em situação de necessidade. Na área da Dança de Salão, vi aquelas que faziam amizade com quem dança bem apenas para pertencerem a um grupo que está em destaque momentâneo. Vi as que fizeram amizade para obter um favorecimento acadêmico no próprio âmbito da Dança de Salão. Também vi as que fazem amizades para seu nome ou até sua foto ou seus textos aparecerem em periódicos ou eventos da área. Alguns decidiam até casar-se, não por admirar seu cônjuge, por amar profundamente e nem mesmo por paixão ou apenas atração física, mas por ele ser conveniente do ponto de vista financeiro ou estratégico para seu sucesso profissional, no caso da dança, por ser eminente na área. 
Mas o tempo mostra que esta caminhada não resulta em um acervo de relações verdadeiras. Ao iniciar a terceira idade, as vezes antes, as pessoas que escolheram estes caminhos flagram-se sem amigos, um golpe para a autoestima. Algumas, voltam-se desesperadamente para a família que foi trocada inúmeras vezes por tais amizades. As vezes, é tarde. Amizade não é meio de sucesso profissional, financeiro ou meio de aparecer, é compatibilidade de caráter, afinidade emocional, compromisso afetivo. Isto é o que realmente não tem preço e dura.
Por isto, ao longo da vida não fazemos uma quantidade enorme de amigos, mas, sim, poucos e verdadeiros. Os outros todos, são conhecidos ou colegas, tratados com total dignidade, mas não são amigos. 


Conversa de salão

Eis que dancei um Bolero com um homem desconhecido em um Salão de Dança e, ao final da dança, quando voltávamos para minha mesa, ele disse: “Sabia que o professor fulano inventou o Bolero Carioca?”. Bem, “fulano” é um professor do Rio de Janeiro que, certamente, não inventou o Bolero Carioca, muito embora tenha introduzido algumas inovações estéticas que, inclusive, são questionadas por estudiosos mais ortodoxos. O homem tentou começar uma conversa transmitindo algo que para ele era um conhecimento. Respondi apenas “Puxa”, senti que ele queria discursar sobre o assunto e confesso que tive preguiça de continuar a conversa, pedi licença e evitei o cidadão durante o resto da noite. Está aí um tipo de diálogo inapropriado para o salão. Hoje, muitas escolas estão espalhadas pelo país e boa parte dos frequentadores de bailes conhece apenas o seu professor, que, não raro, professa quase cegamente a linha que escolheu transmitindo informações equivocadas. Para ter uma conversa sobre Dança de Salão é preciso, pelo menos, saber situar quem foi escolhido para professor no contexto geral da área e já ter vencido o estágio de endeusa-lo com exclusividade. Hoje, existem muitos professores e dançarinos excelentes, inclusive alguns pouco conhecidos mais exímios que outros mais famosos. É salutar conhecer um universo um pouco maior do que um professor, uma escola ou uma linha técnica. E permanece o fato de que é muito mais seguro optar por outros assuntos quando estamos em um salão. Seria preferível um comentário como: “Hoje este salão está excelente para dançar, não acha?”. No âmbito da Dança de Salão noto frequentemente pessoas tendo necessidade de falar sobre seus mestres, tentando mostrar sua superioridade e trazendo informações que, muitas vezes, nem correspondem aos fatos reais, como no caso citado. Algumas destas vezes cheguei a sentir nestes discursos um efeito semelhante ao que já notei em religiosos, uma postura dogmática, devoção exacerbada, nada eclética, reveladora do desconhecimento de outros importantes representantes nacionais da Dança de Salão.
Evoluímos o suficiente para saber, toda posição que não invada o direito do outro merece respeito. Ninguém que tem ideias próprias gosta de ficar ouvindo discursos em tom de alta sabedoria voltados a convencer as pessoas do entorno a cerca de convicções diferentes das suas, especialmente se trazem informações sem respaldo na realidade. Pessoas mais polidas não gostam de participar destes discursos nem quando são a favor de suas convicções, simplesmente porque entendem que há uma boa probabilidade desta conduta ser desagradável para alguém. É preciso muito cuidado e respeito para saber quando e como tratar de assuntos como estes. Há lugares e momentos em que estas conversas são apropriadas, o salão típico não é. 
Para “puxar conversa”, é mais seguro escolher temas pouco comprometedores. Por exemplo: num salão de dança frequentado por pessoas ligadas de alguma forma à Dança de Salão profissional, é temerário fazer afirmações categóricas sobre qualquer aspecto desta área. Quem quer mesmo abordar o assunto, fará de forma mais segura se tratar, por exemplo, desta forma: “Ouvi dizer que o professor fulano inventou o Bolero Carioca. Será que é verdade?”. Ou: “Que linha técnica de dança você prefere: Carlinhos de Jesus, Jaime Aroxa ou outra?”. Desta forma, abre-se um diálogo que  dará a todos a oportunidade de manifestarem livremente sua opinião. Mas o melhor mesmo, é não entrar neste tipo de assunto em um Salão de Dança. Ali o objetivo principal é dançar.