13 de outubro de 2015

Dia mundial do escritor

Dizem que hoje é o dia mundial do escritor. Isto me fez refletir sobre várias coisas. Lembro de meu pai, escritor brilhante, falando sobre como este mundo de quem escreve é restrito a poucos que "se entre leem". Sim, ele está certo. No momento em que vivemos e produzimos escrevendo, temos alguma necessidade de avaliar a utilidade e a qualidade do que fazemos até para nos aprimorarmos. Isto, feliz ou infelizmente, precisa ser feito a partir da opinião de outras pessoas, que por sua vez tem o direito de não ler o que não quiserem ler. Entre as que leem, um grupo naturalmente muito seleto e creio eu composto em sua maioria por outros escritores, deseja-se que encontrem-se as pessoas capacitadas a avaliar o que é escrito de forma isenta.

Quando a questão é científica, não é raro que o escritor seja um solitário pesquisador ou parte de um grupo pequeno, logo, dificilmente alguém outro estaria plenamente habilitado a julgar este trabalho. Aqui desenvolveram-se recursos como os periódicos científicos arbitrados que, com todas as falhas do sistema, diminuem este problema. Em outros âmbitos tudo é ainda mais complicado.

Vivemos em um país que não valoriza leitura, portanto, a solidão do escritor é acentuada culturalmente por estas terras. As pessoas não estão habituadas a ler. Os profissionais também não estão. Muito do que já se produziu em conhecimento, leva tempo para chegar a uma aplicação por falta de leitura. E o escritor continua assistindo e escrevendo...

Depois das redes sociais pudemos apreciar como a falta de leitura é assustadora. As postagens mais apreciadas e viralizadas são visuais. Aquilo que precisa ser lido atinge pouca gente. Postagens de links vindos de blogs tem mais "curtições" nas redes sociais do que número de acessos ao blog. E o escritor continua assistindo e escrevendo...

O tempo vai passando e funcionando como uma peneira. Se no momento atual um texto é disponibilizado, fica ao acesso de um determinado número de pessoas, com o passar dos anos, a quantidade de pessoas que o leem aumenta e então começa uma seleção. O que é útil ou bom é citado, reproduzido (as vezes sem nem citar o autor), usado, o resto... desaparece.

E o escritor continua assistindo e escrevendo...



9 de outubro de 2015

Quem é você na Dança de Salão?

A Dança de Salão provoca reações misteriosas em nós. Acredito que a maior parte das pessoas não se da conta da extensão de seu poder, da influência sobre nossa autoestima e, naturalmente, sobre nosso comportamento. Cada um a seu modo estabelece um tipo de relação com esta arte.

Alguns, ao conhecê-la assumindo certa desenvoltura, começam a ter da dança algo que de certa forma preenche algum vazio. Outros, desfrutam do gozo da dança em si como um prazer mais íntimo. E ainda existem muitas outras formas de ter a dança em nossas vidas.

Seja como for que estejamos neste cenário, é sempre bom que tenhamos ciência sobre o que acontece conosco, para que possamos estar no controle respeitando o palco, o salão e, especialmente, nosso par.

Abaixo seguem algumas perguntas que tem como única finalidade favorecer uma reflexão, o que pode ajudar na autoconsciência e posicionamento realista diante de si mesmo. Ao ler as perguntas e suas alternativas "a" e "b", pode ocorrer de não haver uma resposta certa, precisa para nosso caso. Então, é bom escolher a alternativa que mais se aproxima do que sentimos. O ideal é ler a pergunta e as alternativas sem responder imediatamente. Será um bom exercício, a cada pergunta, tentar lembrar de situações correlatas que vivemos, dos sentimentos verdadeiros que tivemos em cada uma delas para então responder.




1. Você se considera um dançarino exemplar?

a. (  ) sim
b. (  ) não

2. Quando você dança em um salão, procura notar se alguém está observando sua dança?

a. (  ) sim
b. (  ) não

3. Se ocasionalmente você está em um salão e percebe que alguém está admirando sua dança, você fica mais atento para fazer movimentos bonitos?

a. (  ) sim
b. (  ) não

4. Imagine por um momento a sua melhor dança, na qual você tem o melhor desempenho. Você preferiria desfrutar dela compartilhando com outras pessoas que tenham a oportunidade de vê-la ou preferiria vivê-la com seu par preferido em qualquer lugar?

a. (  ) compartilhar com outras pessoas além do meu par
b. (  ) desfrutá-la com meu par preferido em qualquer lugar

5. Ao longo de uma dança, em um salão, você consegue manter a atenção em seu par durante toda a dança, ou em alguns momentos se distrai com vontade de fazer movimentos apreciáveis?

a. (  ) as vezes me distraio fazendo movimentos que me parecem apreciáveis
b. (  ) mantenho a atenção em meu par durante toda a dança

6. Quando você procura aprender movimentos novos, pensa primeiro em um movimento divertido ou pensa primeiro se o movimento é bonito?

a. (  ) penso primeiro se o movimento é bonito
b. (  ) penso primeiro se meu par ficaria feliz com o movimento novo

7. Caso você adore fazer determinado movimento e seu par preferido o deteste, você deixa de fazer o movimento que você gosta muito para não chatear seu par ou você pensa que seu par também tem que fazer sua parte para você fazer o que gosta?

a. (  ) as vezes faço o que gosto porque acho que meu par preferido pode me entender e respeitar minha vontade, isto é parceria
b. (  ) deixo de fazer o passo que meu par não gosta

8. Se você frequenta o salão e alguém te convida para participar de um espetáculo de dança com coreografias, você:

a. (  ) pensa imediatamente que a pessoa que te convidou considera sua dança muito boa e tende a querer participar porque será uma experiência legal dividir com os outros a sua dança
b. (  ) pensa que vai dedicar um tempo para uma dança que não é sua e prefere agradecer, não aceitar e continuar dedicando seu tempo para curtir seu(s) par(es) preferido(s) no salão

9. Você se imagina, algumas ou várias vezes, dançando para que outras pessoas o vejam e apreciem sua dança?

a. (  ) sim
b. (  ) não

10. Quando você está se preparando para sair, você escolhe uma roupa e um sapato que se destaquem no salão ou prefere se trajar da forma que seu(s) par(es) preferido(s) mais aprecia(m)?

a. (  ) acho que os trajes que se destacam no salão são mais legais, combinam mais com minha dança e me fazem sentir bem
b. (  ) prefiro que meu(s) par(es) preferido(s) gostem da forma como estou

11. Na situação de dançar para outras pessoas que estejam ali para ver sua dança, compartilhando com você ao ver uma arte linda como a Dança de Salão sendo executada por você, o que sente:

a. (  ) fico feliz quando as pessoas me vêem dançando bem
b. (  ) gostaria de mostrar para as pessoas que elas também podem sentir o prazer da dança

12. O que te atrai em seu par preferido:

a. (  ) com meu par preferido minha dança é mais bonita
b. (  ) meu par preferido é quem tem as reações mais gostosas




Para pensar:

SALÃO: 1 a 4 respostas para letra "a": provavelmente você é um dançarino de salão em sua essência, em geral prefere ver a satisfação do seu par a ser reconhecido por dançar bem ou mostrar para outras pessoas os prazeres da dança. O cuidado a tomar é de não esquecer das regras do salão para satisfazer seu par.

ENTRE O SALÃO E O PALCO: 5 a 8 respostas para letra "a": você transita entre os prazeres do salão e os do palco. Gosta de desfrutar de seu par na intimidade, mas também gosta de compartilhar sua dança com outras pessoas que a admirem.

PALCO: 9 a 12 respostas para letra "a": você prefere o palco, é sempre saudável descobrir o que o leva a preferir o palco, e para você vale a pena procurar experiências com apresentações de dança, seja em iniciativas de outras pessoas ou próprias, para explorar este mundo e se entender nele. Quem sabe você se descobre com um grande talento e desenvolve um trabalho que se torna uma referência. O cuidado a tomar, é não desrespeitar ninguém na busca da sensação de se sentir valorizado e reconhecido.

Estas são apenas sugestões e reflexões que naturalmente variam de pessoa para pessoa, não servem como regra absoluta. Mas podem ser um ponto de partida para nos fazer pensar sobre o que somos para nós e para os outros em cada ambiente de dança onde estamos. É um ponto de partida para entender qual o papel da Dança de Salão em nossa vida, como desfrutamos dela, como a usamos, que espaços vazios ela preenche. Sempre é bom estarmos cientes e no controle sobre o que fazemos com esta arte em nossas vidas, para evitarmos a perda de valores que nos são importantes.

Uma vez que estamos conscientes do que sentimos, do que queremos, do que precisamos, podemos assumir o controle sobre o que fazemos e este é o caminho para que todos fiquem bem e possam aproveitar o melhor da dança, seja curtindo os encantos do salão ou as alegrias de se apresentar!

6 de outubro de 2015

A série sobre a História da Dança de Salão no Brasil do século XIX continua... chegou a vez de Minas Gerais!

A Mimulus CIA de Dança, de Minas Gerais, ocupa hoje seu merecido lugar de destaque no cenário da dança, conquistando com qualidade e encanto os palcos do mundo! O que poucos sabem é que a história desta arte em Minas Gerais não é recente, desde pelo menos o século XVIII faz-se beleza nestas terras de ouro!

Convido quem aprecia uma boa viagem no tempo a acompanhar a série sobre a História da Dança de Salão no Brasil do século XIX, que traz agora um pouco sobre Minas Gerais - saiba mais AQUI.

Esta pesquisa, que toma forma organizada a partir de 2012, é disponibilizada na forma de artigos científicos que vem sendo publicados internacionalmente desde 2013. Confira abaixo a série completa!

E aguardemos os próximos capítulos!


  1. História da Dança de Salão no Brasil: Minas Gerais do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 209. Outubro, 2015. NOVO
  2.  História da Dança de Salão no Brasil, recortes do Rio de Janeiro do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 207. Agosto, 2015. NOVO
  3.  História da Dança de Salão no Brasil, Bahia do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 195. Agosto, 2014.
  4.  História da Dança de Salão no Brasil, Maranhão do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 194. Julho, 2014.
  5.  História da Dança de Salão no Brasil: Pernambuco do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 192. Abril, 2014.
  6.  História da Dança de Salão no Brasil: Curitiba e Paraná do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 188. Janeiro, 2014. 
  7.  História da Dança de Salão no Brasil: mestres no Rio de Janeiro do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 187. Dezembro, 2013. 
  8. História da Dança de Salão no Brasil do século XIX e os irmãos Lacombe. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 186. Novembro, 2013. 
  9. História da Dança de Salão no Brasil: São Paulo, SP do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 185. Outubro, 2013. 
  10.  História da Dança de Salão no Brasil: século XVIII e alguns antecedentes. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 184. Setembro, 2013. 

4 de outubro de 2015

Espetáculos de dança ancorados na Literatura, o papel da plateia

A produção de um espetáculo, aqui me atenho especificamente aos de dança, pode ser inspirada de muitas formas, no cotidiano, em uma pintura, um filme, uma música, uma palavra, uma personalidade... e até no imenso mundo da literatura. A escolha pela inspiração literária merece cuidados específicos, naturalmente, se há algum compromisso com a Arte. E cabe à plateia a atenção sobre a forma como este trabalho é feito, afinal, é ela que molda parte da evolução desta Arte.
Inicialmente, lembremos que, em se tratando de Brasil, o público em geral é formado por leitores superficiais. Os títulos de maior vendagem, quase como regra, são medíocres do ponto de vista literário. Já o público que assiste espetáculos de dança, busca um diferencial cultural e, naturalmente, tem seu papel como crítico desta Arte, para tanto, leitura de qualidade é indispensável. E ler, entendo eu, vai muito além do conteúdo da obra, inclui o regozijo pela forma, pelo desenho da combinação de palavras e sentidos, pela profundidade, pela coerência de um enredo, pelo que está e pelo que se pode imaginar em entrelinhas, pela inteligência da composição, pela harmonia musical das frases, pela compreensão do autor e de seu momento histórico, pela excitação que o mergulho na abstração causa, pelo transporte a outros lugares e tempos, pela mudança que nos provoca... Literatura rasa, não tem este amplo poder, é exploradora barata do conforto intelectualóide e, frequentemente, parte de trajetórias autorais mercenárias, sem qualquer compromisso artístico.
Esta plateia, é potencialmente capaz de fugir da inópia na interpretação de textos porque não pode ser parte da massa que nem mesmo compreende as palavras em suas polissemias, quanto mais metáforas ou significados de frases com alguma elaboração. Uma iniciativa de escrita com conteúdos mais profundos, que exigem do leitor uma compreensão cognitiva sofisticada, mais trabalhosa, apreciação artística da modelagem textual, não terá hordas de seguidores. Autores deste tipo de texto, em geral, não esperam quantidades de leitores em curto espaço de tempo. Mas é este tipo de obra desafiadora do tempo que seduz um diretor de espetáculos de dança cujas inspirações são ávidas pelo que alarga o intelecto. Portanto, de alguma forma, este tipo de obra merece atenção da plateia também.
Boas ancoragens literárias de espetáculos de dança, acontecem a partir do conhecimento em seu sentido mais amplo. Um bom diretor mergulha no autor escolhido e esmiúça sua trajetória, seu objetivo de vida, seu papel político-social. A boa plateia também. Um bom diretor não se contenta com a leitura de um trecho isolado, ou traduzido com erros, não se satisfaz ao fazer as próprias elucubrações e interpretações alienadas do contexto. A boa plateia também não. O bom diretor transita de verdade nas vielas do que o inspira, com conhecimento e imaginação, a conduta pessoal de um autor que escolhe a pobreza bem maquiada para surfar na onda monetária em detrimento da qualidade literária, não o convence. À plateia também não deve convencer. Nesta seara, são insuficientes os autores de autoajuda superficial, que em nada se importam com a delação de sua elementaridade e mediocridade, isto quando não protagonizam tumultos mundiais de plágio tácito.
Felizmente no âmbito profissional contemporâneo brasileiro foram produzidos espetáculos de dança inspirados pela literatura a partir da escolha de autores inquestionáveis, fazendo a diferença para solidez de seu reconhecimento qualitativo amplo, do qual a plateia participa ativamente.
Deborah Colker é exemplo, depois de explorar o cotidiano, a arquitetura, as Artes Plásticas, os esportes, chega à maturidade para criar espetáculos inspirados em autores e suas obras literárias de peso irredutível no cenário mundial. Ao longo de décadas construiu esta maturidade, que não está obrigatoriamente relacionada à qualidade técnica da dança, e encontra-se preparada para a responsabilidade cultural e intelectual imposta por seu enfrentamento. Para ancorar o espetáculo “Tatyana” estreado em 2011,  Deborah escolhe o romance poético, recheado de sonetos, “Eugene Onegin”, um clássico da literatura universal publicado em diferentes edições de jornais entre 1823 e 1831, da autoria de Aleksandr Pushkin, conhecido como pai da literatura russa. 


Fonte: Eugene Onegin

Este romance inspirou ninguém menos que Tchaikovsky a compor, entre 1877 e 1878, suas “cenas líricas” de mesmo título, conhecidas hoje como sua ópera mais famosa. Sugestivamente, a obra estreada em 1878 inclui valsas que estavam no auge dos salões de dança da época. Onegin de Pushkin não inspirou apenas Tchaikovsky e as numerosas interpretações de sua ópera, esta obra não passou desapercebida pelo cinema, que em 1999 estrelou o filme trazido ao Brasil sob o título “Paixão proibida”, protagonizado por Ralph Fiennes e dirigido por sua irmã Martha Fiennes.


Fonte: “Eugene Onegin” - Photo: Metropolitan Opera

E o mais novo espetáculo de Deborah Colker, “Belle”, de 2014, é ancorado no romance “Belle de Jour”, do escritor argentino Joseph Kessel. A obra, trazida para o cinema no longa-metragem que traz o mesmo nome, em 1967, é protagonizada por Catherine Deneuve e permanece desbravadora até os dias de hoje, um clássico do cinema contemporâneo.
E a autoria de literatura brasileira não ficou apartada dos palcos de dança. A Companhia de Dança GEDA de Porto Alegre, por exemplo, apresentou em 2014 o espetáculo “Não me toque estou cheia de lágrimas – Sensações de Clarice Lispector”, que ganhou o concurso cultural promovido pelo Ministério da Cultura, intitulado Copa 2014.
Todos, espetáculos com registros evidentes das fundamentações de estudo profundo da literatura de força indelével que o ancora, abrangendo não só uma obra, mas, o significado social, político e temporal de seu autor. É isto que se deseja para espetáculos de Dança de Salão de Projeção, ou Contemporânea, ancorados em literatura.
Por fim, nossa responsabilidade como plateia não é passiva, não é simplesmente pagar o ingresso e aplaudir, é manter o olhar vivo e seletivo, que estimula produtores à busca pela qualidade. Deleitar-se valorizando o encanto de sons, luzes, cores e movimentos bem feitos e de bom gosto sim, mas, quando em tese há uma obra literária como inspiração, precisamos fazer nossa parte, mantendo a atenção para não nos desgarrarmos da tarefa imprescindível de avaliar e conduzir ao aprimoramento. Vale, sempre, primar pelo conhecimento consistente, alimentar o senso crítico e, se há recurso público envolvido a exigência de critério por parte da plateia chega a ser uma questão de cidadania.



Dvd Paixão Proibida - Ralph Fiennes, Liv Tyler - Raríssimo